TEMPOS
DA NACIONALIDADE

A
próxima referência que nos aparece em relação a Avintes são as Inquirições
de D. Afonso III, em 1258: "Avintes parte reguenga pertencente ao Juizado e
Julgado de Gondomar, porem ao sul do rio Douro. Inquir, por que se julgou que
pagava ao rei sete moios de pão pela medida chamada Palaciana e sete quartas de
vinho e sete Capões: nada pagava, depois que o senhorio Egidio Valasco e filhos
compraram aos possuidores; cujo reguengo huma das testemunhas o troussera
arrendado."
As
Inquirições de D. Dinis de 1284, ou 88, também mencionam a freguesia de S.
Pedro de Avintes:
"INQUIRIÇAM
QUE SSE TIROU SOBRE AS HONRRAS E DEUASSOS DOS JULGADOS DE GAYA E DA FEIRA TERRA
DE SANTA MARIA.
Freeguesya
(16) de sam Pedro davyntes que foy de dom gill vaasquez he pouoado que avyrom
hourrada des que see acordam as testimunhas e douuyda delongo tempo e tráge por
honrra com esta quintáa des rrio de feueras attaao Ryo do doyro come parte cõmno
Couto depedroso e ende pelía area darnelías e ende como parte cõmno Couto
dulueyra e dizem as testimunhas que por estes logares avyrõm husar por honrra
que nom entre hi porteyro nem moordomo tráge hi martym anes seu linhagem seu
vigayro e seu chegador. Esté como está por sás diuisões". (17)
Portanto,
temos os limites do Couto fixados e a informação de que as terras de Avintes
estão nas mãos de Martim Anes "seu vigayro e chegador".
As
Inquirições, que surgiram numa altura em que era preciso dar cobro aos abusos
perpetrados pelo clero e nobreza e, ao mesmo tempo, recuperar as terras que
estes indevidamente haviam subtraído à Coroa bem como permitir a organização
cadastral dos seus bens inserem-se sem dúvida numa política de reforço do
poder real.
Nesta
época, aparecem vários documentos que se referem a Avintes ou a emprazamentos
feitos a lugares desta freguesia, mas parecem não trazer nada de relevante para
a reconstituição histórica que tentamos fazer. Apesar disso, a reprodução
dos mesmos encontra-se na parte final deste trabalho.
Nos
primórdios da nacionalidade, os nossos reis, para fomentar o povoamento das
zonas reconquistadas e, ao mesmo tempo, recompensar actos valorosos, vão contar
as terras e distribuí-las por nobres e ordens religiosas concedendo-lhes privilégios,
inclusive jurisdição própria, e isenções. Sobre os coutos, a Coroa não
detinha quaisquer direitos, portanto, Avintes não tinha nada a recear.
A
área que hoje constitui o concelho de Gaia foi contada e, apesar de não termos
notícia alguma da constituição do couto de Avintes, ao qual pertenceria a
freguesia de Seixezelo, ela poderá bem recuar a esses tão profícuos tempos
nesta matéria.
Cerca
do ano de 1300, Avintes vai ser doada ao mosteiro de Sto. Tirso por Dona Constança
Gil, como consta da memória de Dom Martim Pires, abade daquele mosteiro,
"em que no seu tempo havia uma senhora chamada Dona Constança Gil, que fez
doação ao mosteiro da sua quinta em Lordelo, em terras de Panoias, em Vila
Real, com todas as propriedades que nele tinha e de todas as terras que possuia
em Avintes, junto ao Douro, perto do Porto e outros quatro casais em Soalhães"
para que fossem celebradas missas pelas almas de seu marido e filho, D.
Gomes Sobrado e Martim Anes, o mesmo que citamos atrás, respectivamente.
No
Arquivo da Universidade de Coimbra fomos encontrar um documento de Pedroso
datado do ano de 1308, que se refere à honra de Avintes. Vamos apresentar aqui
apenas um resumo, pois a sua reprodução encontra-se no final deste trabalho:
"16
de Abril de 1346.
Prazo
de três vidas feito na era de 1346 pelos Religiosos do Mosteiro de Pedroso, a
Clemente João e a sua mulher Giralda Doniz, e para um propínquo, qual nomeasse
o que mais vivesse, do casal chamado Soutuílo na honra de Avintes, com todas as
suas pertenças: pelo foro, e pensão anual de 8 libras da moeda do tempo,
metade por dia de Natal, e outra por dia de Páscoa; e a última vida daria 8
libras e meia, e colheita a El-Rey e lutuosa. Pedroso, Cazal de Soutuílo na
honra de Avintes. N.0 231. Pergaminho partido por A. B. C.".
Este documento levanta uma questão, tendo sido as terras de Avintes doadas ao
mosteiro de Sto. Tirso, como já dissemos, que direito tinha sobre elas o
mosteiro de Pedroso, que lhe permitissem emprazar um casal e cobrar o respectivo
foro?... Até descobrirmos novas fontes que nos esclareçam, esta dúvida
continuará a subsistir.
Em
1487, o couto de Avintes vai passar para a posse da família Brandão através
da doação feita por D. Francisco de Sonsa, Abade Comendatário do citado
mosteiro; "Deste comendatário acharam a memória no Cartório, não que
adquirisse, senão que desse muitas terras e propriedades em Avintes, a Fernão
Brandão" "Fernão Brandão e seu filho Diogo Brandão, senhores da
quinta e couto de Avintes, a qual continua na posse de seus descendentes por
linha feminina, os Almeidas, Condes de Avintes e Marqueses de Lavradio". A
filha de Diogo Brandão, D. Isabel Brandão, casa em 1570 com D. Francisco de
Almeida, filho primeiro de D. João de Almeida, capitão de Tânger e governador
de Angola, assim passando o senhorio do couto de Avintes para a família dos
Almeidas.
Esta,
segundo nos conta A. Carvalho na sua Corografia, procede de Pelíato Arriado, um
dos importantes fidalgos da corte do conde D. Henrique e "muito seu amado,
donde tomou o apelido de Arnato... Tem por armas um campo vermelho, três
bezantes de ouro, entre uma dobre cruz e bordadura do mesmo ouro; timbre uma águia
de vermelho abezentada de ouro".
D.
Luís de Almeida recebe a 17 de Fevereiro de 1664 o título de conde de Avintes,
do rei D. Afonso VI. Esse ilustre membro da família dos Almeidas havia sido o
último governador e capitão geral de Tânger e do reino do Algarve, pai do
segundo conde de Avintes D. António de Almeida, ao qual D. Pedro II, no ano de
1689, dá o seguinte título:
"Eu
El-Rei faço saber que D. António de Almeida, Conde de Avintes, me apresentou
por sua petição que entre outros Direitos que tinha em sua casa no Couto de
Avintes, era um prazo do qual são directo senhorio os Religiosos de S. Bento, e
outrossim a jurisdição de confirmar os juizes que o povo elegia, que no antigo
couto conhecia das coisas civis somente, a qual jurisdição era tão antiga na
sua casa que controvertendo-se já em tempo do Rei D. Afonso, o 4.º com o seu
antecessor dele conde, o julgara pertencer-lhe a dita jurisdição, como
constava da Carta que oferecia e que a mesma se julgara no tempo do Rei D.
Afonso, o 5.º, no juízo da coroa, sendo o da Cidade do Porto como se via da
sentença que ajuntava, e como o Corregedor da Comarca lhe não queria deixar
usar a dita jurisdição, mandando-lhe que exibisse a doação, a qual ele conde
não tinha, nem mais título que as ditas sentenças cujos processos se haviam
de encorporar necessariamente à dita doação, que por questão antiga não era
possível descobrir notícias nem vestígios de tais processos maiores, mesmente
não sendo necessários, bastando a ele conde e seus antecessores duas sentenças
das quais a última fora dada havia mais de duzentos anos, e tinha posse imemorável
e tão antiga, que já no tempo do Rei Afonso, o 4.º, que fora pelos anos de
1340, se lhe não sabia princípio e se conservara sempre na sua casa até ao
presente-Me pedia lhe fizesse mercê mandar confirmar a dita jurisdição na
mesma forma que fora julgada a seus predecessores, e que o Corregedor da Comarca
lhe deixasse usar dela como até aqui fizeram sempre os donatários do dito
couto, e visto o que alegou e a informação que houve do Corregedor da Comarca
da Cidade do Porto.
Ouvindo
todas as partes interessadas o que dele constou e a resposta do Procurador da
Coroa a que se deu vista a posse em que o dito Conde está há séculos, e por
desejar de lhe fazer graça e mercês: Hei por bem de lhe fazer por mercê nova
jurisdição do dito couto de Avintes, e que possa confirmar o juiz que nele
pelo Povo for eleito, o qual não conhecerá mais do cível somente, e assim e
da mesma maneira que até agora se conservou. Pelo que mando aos meus
Desembargadores do Paço que sendo-lhe apresentado este Alvará por mim
assinado, lhe façam passar carta de doação por mercê nova desta jurisdição,
na qual carta se transladará este Alvará se cumprirá como se contém, e fica
dada fiança no livro... a fls.131 e pagará os novos direitos e os...em termos
de 4 meses.
Luiz
Godinho Nazareth.
Lisboa,
28 de Agosto de 1689".
A
leitura deste documento leva-nos a concluir que, à data do mesmo, o próprio
donatário deste couto não sabe qual é a sua origem, pois, já em ...1340, se
lhe não sabia o princípio ..."e nem sequer uma carta de doação tem que
comprove que ele lhe pertence mandando-lhe (o Corregedor da Comarca) que
exibisse a doação, a qual ele conde não tinha, nem mais título...".
A
história da família dos Almeidas é recheada de grandes feitos e ilustres
personagens, no entanto, não cabe no âmbito deste trabalho fazer a descrição
aturada dos mesmos. Gostaríamos apenas de referir que a 17 de Janeiro de 1725 o
quarto conde de Avintes, D. António de Almeida Soares Portugal, foi feito conde
do Lavradio por D. João V, em retribuição dos serviços prestados por seu tio
D. Tomaz de Almeida, 1.º Patriarca de Lisboa, a carta régia de 18 de Outubro
de 1753 elevou-o a marquês do Lavradio, foi governador de Angola e vice-rei do
Brasil.
O
couto de Avintes permaneceu nesta família até à extinção desta instituição
em 1834. O último donatário do couto foi o 10.º conde de Avintes, D. António
Maria Almeida Correia de Sá, nascido a 8 de Fevereiro de 1908, o qual
interpretou a figura de D. José no fonofilme "A Severa", de Júlio
Dantas.
Aproximamo-nos
a passos largos das invasões francesas e, nessa altura, tudo indica que Avintes
não teve um papel de relevo, pois não conhecemos referências nenhumas a esse
respeito, a não ser o facto de, como diz Manuel Pinheiro Chagas no seu Dicionário
Popular, o Duque de Wellington, na sua perseguição ao marechal Soult para o
expulsar de Portugal, atravessar aqui o Douro por não o ter podido fazer no
Porto. Aliás, o próprio Osório Gondim, na obra várias vezes citada refere
que nessa época "...nada aqui ocorreu de notável, a não ser o saque da
igreja..."
Teria sido a mando do general Junot, todos os objectos de valor foram carregados
num carro para o Porto e dai seguiram para França. "...Ainda hoje existem
na cruz pequena da Senhora, dois pequenos anjinhos de prata, que eram dum rico
padrão que levaram, e foram a única coisa que escapou". Esta freguesia não
escapou, pois, ao vandalismo e selvajaria dos franceses.
No
período liberal, Avintes foi palco de acontecimentos mais importantes e alguns
deles até caricatos, como o da velhota que, por ter-se enganado a dar os vivas
ao passar da soldadesca miguelista foi ferida, logo ela, a mais ferrenha
adepta de D. Miguel.
Durante
esse tão conturbado período, conta-nos Osório Gondim, existia uma ponte de
barcos no areinho a unir as duas margens do rio e, no dia em que se rompeu o
cerco do Porto, festejava-se em Valbom ruidosa e alegremente a vitória de D.
Pedro. Muitos avintenses dirigiram-se ao Espinheiro da Agra e daí ao Areinho
para poderem participar um pouco na festa. Mas, ao fim da tarde, esta parecia
tomar outro rumo, alguém avistou no Esteiro um regimento que se encaminhava
para eles, os que puderam fugiram velozes e, quando a salvo, olharam para trás,
a batalha já havia começado. Dos avintenses só um pereceu, mas em Gramido
muitos corpos jaziam pelo chão.
Ana
Filomena Leite Amaral - "Avintes na Margem Esquerda do Douro"
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